sexta-feira, 12 de junho de 2009

Myron e La Gorda

Encontramos Myron no corredor apertado pelas latas de tinta, rolos para pintura, uma pilha de lençois ainda com as marcas das dobras, escadas pequenas e grandes, várias espátulas, massa corrida , enfim, o caminho estreito está entulhado daquela parafernália que todos pintores no mundo utilizam.
Seu queixo de ferro irlandês mastiga algumas palavras ininteligíveis para nós até alguns dias atrás. Na verdade quer que o sigamos para uma intervenção de vida ou morte. Anton murmura como se falando com alguém dentro dele próprio, assentindo, descrente.
Vamos os tres pelos labirintos do prédio, o irlandês com o indefectível gorro até as orelhas, o terno de lã escuro e os sapatos de camurça marrons, um enorme molho de chaves balançando e abrindo portas, e nos trancando após as passagens. Depois de várias delas entramos num grande loft, branco, imaculado, as paredes terminam num pé direito de mais de seis metros. Fomos nós que o deixamos assim com esse acabamento perfeito. Estávamos os tres admirando a obra quando ouvimos num arrepio triplo a bengala batendo na porta da entrada. É La gorda!, falamos ao mesmo tempo. Nossa contractor, é ela quem paga a reforma dos tres andares, trabalho garantido para os próximos meses, foi apelidada de La Gorda pelo tamanho e vigor de uma vaca africana, mas com o olhar desconfiado dos árabes, e nesses minutos sem pronunciar uma só palavra entra manquitolando, a cabeça inclinada para os rodapés das paredes. Nós tres estamos congelados, respirando o mínimo de ar possível. O vulcão então explode, a bengala, que não deve ser dessas comuns de madeira usadas somente para apoio, numa velocidade incrível vai destruindo as paredes de um biombo de sheet-rock como se fossem caixas de fósforo. Os buracos vão surgindo em meio a vociferados gritos e brados misturando ingles e o árabe.
Myron em seu inglês afetado tenta mastigar algumas palavras de volta sem sucesso, na verdade querendo botar a culpa nos coreanos, a quem detesta tanto. Largamos a louca libanesa falando sozinha e saimos de fininho, continuando nossa caminhada atrás do Minotauro.
Depois de várias idas e vindas , mesmo sabendo tratar-se de um jogo de Myron, seguimos como soldados atrás do sargento. No canto quadrado de seu enorme queixo um leve sinal de sorriso escorre por entre os dentes amarelados. Finalmente chegamos a um corredor que se abre num hall iluminado por uma clarabóia suspensa nas alturas do pé direito. Myron para em frente a um cano que some pelo teto. A uns tres metros de altura um enorme registro metálico, e é pra ele que o irlandês olha fascinado.
Pocho !, grita , me chamando.Coloque a escada aqui !
Prepare os instrumentos !, os dentes rangendo. Anton se prepara com uma enorme chave inglesa nas mãos, os olhos míopes de uma lente solitária tentando enxergar a válvula lá em cima. Myron veste o lençol passando a cabeça por um buraco. Agora, devidamente paramentado , como um cirurgião , lá no ultimo degrau da escada encosta a cabeça no cano e nos faz um sinal pedindo silêncio.
¨O paciente ainda respira, nos fala quase num sussurro. ¨ Eu olho para Anton...
¨Ainda há chance...¨ Encaixa a enorme chave, , e com leves mas vigorosos movimentos faz com que a válvula vá aos poucos se abrindo. Encosta novamente os ouvidos no cano e o sorriso apertado se abre ¨ o paciente vai sobreviver...¨, fica a repetir satisfeito. Anton me lembra de um livro sobre a linguagem dos canos , um maluco tentava decifrar seus ruídos, comparando-os aos intestinos dos prédios. E cada um possuia sua própria maneira de expressão. Myron nos desaprova com seu olhar de irish, pois não entende patavinas de portugues. Juntamos nossa tralha e voltamos sem trocar uma palavra pelo labirinto de volta ao seu mal iluminado escritório no basement. Lá ele abre a geladeira , tira um pão de forma e faz tres sanduiches de peito de peru com queijo chedar, enquanto esquenta o chá no pequeno fogão elétrico. Comemos e nos despedimos, hoje é dia de pagamento, e o velho mafioso DeSantis já deve estar com nossos envelopes prontos com algumas notas de vinte dólares e o resto de cinco, para fazer um volume maior. Vamos embora loucos pro primeiro bar que encontramos. Na tv, a segunda play off de basketball , num dos cantos esfumaçados um casal dorme na mesa numa típica viagem de heroína.

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