Fui até acozinha e não sabia se esquentava o arroz com feijão de ontem à noite ou comia qualquer outra coisa. Abri uma cerveja e fiquei ali parado vendo os flocos de neve caindo silenciosamente pela janela do velho building, já colorido pelas luzes das árvores de natal dos meus vizinhos hispanos. O reggae batia surdo no rádio da sala e já sentia a vontade de sair pisando como malandro, que é como se dança esse ritmo, pensava no meu amigo recém operado num hospital do Bronx e em nossos planos de ir até o Caribe, que se acabaram com a cirurgia inesperada, o numero do seu quarto deu na Lotto, e não joguei, poderia ter ganho uns 500 pesos (dólares), estava nessas conjecturas filo-numerológicas quando ouvi o baque na parede onde fica a pia da cozinha. Outras vezes já havia percebido umas pancadas, mas muito de leve, até , disse brincando ao amigo Pocho que bebia comigo : é alguém preso aí dentro nos mandando um sinal, e rimos da possibilidade.
As pancadas aumentaram , não soavam como ferramentas de metal, como fazem os encanadores, mais parecia o som produzido pelas mãos cerradas dando ritmadamente contra algo denso como as rochas. Como estava só, resolvi, sem ter que ouvir qualquer opinião, descobrir de uma vez por todas a causa do barulho que já me incomodava. Então, mãos à obra, apanhei um martelo que a antiga moradora , uma dançarina mexicana havia esquecido num baú em meio a enormes pimentas secas,latas cheias de cogumelos, e comecei a bater por dentro do armário abaixo da pia de onde me parecia virem as pancadas.
Por um instante cessaram, ficou só o silêncio da goteira eterna, depois reiniciou bem baixo e foi crescendo de intensidade e direção, agora os ruídos vinham desde todo o armário, então tive que remover as portas para poder ter os movimentos mais livres, martelei com força, parece que respondiam do outro lado, fiquei animado, esvaziei o pequeno espaço das latas vazias de cerveja, valem 5 centavos cada, e nessa hora me lembrei da máscara Maya repousando na enorme caixa de papelão, e da noite assustadora ao ver o salto que ela dera bem na minha frente. Os barulhos recrudesceram , corri com o martelo em riste e me pus deitado dentro do armário e bati o mais forte que pude e em todas as direções iniciando a cair os primeiros pedaços de sheet rock , quase podia enxergar do outro lado , um raio de luz já se infiltrava pela fresta, os barulhos aumentaram de volume quase esboçando um ritmo, parei com o martelo e continuei com as mãos, me sentia ansioso de ver o outro lado daquele mistério.
Incrível! A descrição desse conto me deixou aflito, envolvido, louco! Parabéns
ResponderExcluirIncrível mesmo, me deixou com mais vontade ainda de ler seus outros contos.! parabéns, contnue assim.
ResponderExcluiro comentário de cimaé de julia cardoso :)
ResponderExcluirEsta demais continue por favor
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