terça-feira, 23 de junho de 2009

A Sórbia

Fui até acozinha e não sabia se esquentava o arroz com feijão de ontem à noite ou comia qualquer outra coisa. Abri uma cerveja e fiquei ali parado vendo os flocos de neve caindo silenciosamente pela janela do velho building, já colorido pelas luzes das árvores de natal dos meus vizinhos hispanos. O reggae batia surdo no rádio da sala e já sentia a vontade de sair pisando como malandro, que é como se dança esse ritmo, pensava no meu amigo recém operado num hospital do Bronx e em nossos planos de ir até o Caribe, que se acabaram com a cirurgia inesperada, o numero do seu quarto deu na Lotto, e não joguei, poderia ter ganho uns 500 pesos (dólares), estava nessas conjecturas filo-numerológicas quando ouvi o baque na parede onde fica a pia da cozinha. Outras vezes já havia percebido umas pancadas, mas muito de leve, até , disse brincando ao amigo Pocho que bebia comigo : é alguém preso aí dentro nos mandando um sinal, e rimos da possibilidade.
As pancadas aumentaram , não soavam como ferramentas de metal, como fazem os encanadores, mais parecia o som produzido pelas mãos cerradas dando ritmadamente contra algo denso como as rochas. Como estava só, resolvi, sem ter que ouvir qualquer opinião, descobrir de uma vez por todas a causa do barulho que já me incomodava. Então, mãos à obra, apanhei um martelo que a antiga moradora , uma dançarina mexicana havia esquecido num baú em meio a enormes pimentas secas,latas cheias de cogumelos, e comecei a bater por dentro do armário abaixo da pia de onde me parecia virem as pancadas.
Por um instante cessaram, ficou só o silêncio da goteira eterna, depois reiniciou bem baixo e foi crescendo de intensidade e direção, agora os ruídos vinham desde todo o armário, então tive que remover as portas para poder ter os movimentos mais livres, martelei com força, parece que respondiam do outro lado, fiquei animado, esvaziei o pequeno espaço das latas vazias de cerveja, valem 5 centavos cada, e nessa hora me lembrei da máscara Maya repousando na enorme caixa de papelão, e da noite assustadora ao ver o salto que ela dera bem na minha frente. Os barulhos recrudesceram , corri com o martelo em riste e me pus deitado dentro do armário e bati o mais forte que pude e em todas as direções iniciando a cair os primeiros pedaços de sheet rock , quase podia enxergar do outro lado , um raio de luz já se infiltrava pela fresta, os barulhos aumentaram de volume quase esboçando um ritmo, parei com o martelo e continuei com as mãos, me sentia ansioso de ver o outro lado daquele mistério.

4 comentários:

  1. Incrível! A descrição desse conto me deixou aflito, envolvido, louco! Parabéns

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  2. Incrível mesmo, me deixou com mais vontade ainda de ler seus outros contos.! parabéns, contnue assim.

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  3. o comentário de cimaé de julia cardoso :)

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  4. Paulo Filhojunho 29, 2009

    Esta demais continue por favor

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